ascetas na geleira Boca da vaca, no Himalaia
Em minha casa, quando eu era criança, circulavam alguns livros sobre Yoga. A maioria destes livros trazia na capa a
imagem de um asceta ou homem santo da Índia. Isto me fazia pensar que o Yoga
era algo praticado apenas por pessoas semelhantes as das figuras que ilustravam
aquelas capas. Quando cresci acabei lendo muitos destes livros. Mesmo não sendo
mais criança e conhecendo um pouco mais sobre suas práticas e proposta,
permanecia em mim a leve impressão de que, apesar de nosso interesse, o Yoga
era uma filosofia voltada para ascetas.
Embora eu apreciasse o pouco que conhecia sobre sua filosofia, e
sentisse inúmeros benefícios, durante algum tempo, eu convivi com um certo
receio de que algum dia ela me levasse para um caminho de exclusão. Outro questionamento
vinha da relação entre Yoga e Hinduísmo. Muitas crenças e mitos do Hinduísmo
eram atrelados ao Yoga como se fossem uma coisa só. Isto me trazia algumas
dúvidas.
Felizmente, depois de alguns anos, compreendi a universalidade do Yoga. Percebi
que como a maioria dos mestres eram Hindus, naturalmente acabavam trazendo para
seus ensinamentos em Yoga sua cultura e crença. Entendi também que muitos dos
conceitos e práticas que eu conhecia sobre Yoga não foram necessariamente criados
para suprir as necessidades de praticantes que vivem em sociedade e levam uma
vida como a nossa.
Comecei a perceber que muitos livros, métodos e práticas que eu conhecia
tinham sido trazidos para o ocidente por ascetas e monges que viviam em uma
realidade diferente da minha. Em minha biblioteca pessoal possuo diferentes
livros de Yoga. A maioria foi escrito por monges, e sua interpretação é muitas
vezes bem diferente das de autores que não vivem uma vida monástica. Cada autor
apresentem o Yoga de acordo com sua experiência e crenças. Eu leio e admiro
todos Yogasūtras que tenho, mas entendo que algumas abordagens e interpretações
feitas por alguns autores não fazem tanto sentido para minha vida.
Outro fato que também prejudica nossa compreensão sobre alguns textos vem da forma como as traduções são feitas. Nem todos tradutores foram iniciados ou possuem um profundo conhecimento sobre o tema. Pode-se perder muito conteúdo durante a passagem do sanscrito para o inglês e depois para o português. Isto sem contar com o risco que as ideias originais podem sofrer.
Outro fato que também prejudica nossa compreensão sobre alguns textos vem da forma como as traduções são feitas. Nem todos tradutores foram iniciados ou possuem um profundo conhecimento sobre o tema. Pode-se perder muito conteúdo durante a passagem do sanscrito para o inglês e depois para o português. Isto sem contar com o risco que as ideias originais podem sofrer.
Eu só comecei a pensar sobre estas coisas após conhecer a trajetória e o legado de T.
Krishnamacharya, um praticante e professor de Yoga que casou, teve filhos e
viveu por muitos anos em um grande centro urbano, Chennai. Embora fosse
ortodoxo, Krishnamacharya não misturava sua religião ao ensinar o Yoga para
pessoas com outras crenças. Ele também não ensinava aos outros aquilo que fazia, mas aquilo que o outro necessitava. Isto parece um simples detalhe, mas fazia muita diferença.
Na década de 20, Krishnamacharya estudou com Ramamohana Brahmachari em
uma caverna no Tibet. Após sete anos e
meio de convivência seu professor lhe passou uma missão: voltar para sua terra
natal, casar, ter filhos e trabalhar para a propagação do Yoga para todas as
pessoas. Casar e constituir família não estava nos planos de Krishnamacharya,
mas aceitou o pedido de seu professor Ramamohana Brahmachari que também vivia com
esposa e filhos. Assim, Krishnamacharya renunciou a exclusão para viver uma
vida em família e propagar o Yoga de forma personalizada para pessoas de
diferentes tipos, géneros, classes, e crenças.
Seu trabalho foi muito eficaz. A partir das décadas seguintes, Krishnamacharya
não se dedicou em difundir um método, mas uma abordagem. Ele considerava
importante primeiramente compreender o indivíduo para então orienta-lo sobre
Yoga. Ele avaliava o meio em que a pessoa vivia, a faze pela qual estava
passando, a capacidade, a crença e fé, para então sugerir a prática adequada e
explicar o Yoga de acordo com sua realidade e capacidade.
Práticas ascéticas foram criadas para ascetas. Práticas hindus devem
servir para quem possui esta crença. Na índia eu já estudei Yoga terapia com
dois professores que eram mulçumanos. Na aula não falávamos de hinduísmo ou
islã, tratávamos de terapia. Foi a primeira vez que as aulas de Yoga não
traziam ritos que até então pareciam ser imprescindíveis no ocidente. Estudávamos
assuntos específicos para terapia e, quando falávamos de fé, que é uma das mais
poderosas ferramentas, ressaltavam a importância de se respeitar a cultura e a
religião de cada praticante. Minha professora de filosofia é Hindu. Ela
raramente faz algum comentário sobre sua religião em nossas aulas. As vezes eu
pergunto algumas coisas, mas em geral ela não entra neste assunto. Considero
isto uma grande sensibilidade.
Eu já conheci muitos palestrantes e professores, mas sinto que as
explicações mais convincentes vem dela. Por
incrível que pareça, Sangitha é uma pessoa comum, que vive uma vida como a
minha. É casada, tem dois filhos e uma vida bem atarefada. Quando estudamos o
Yogasūtra sinto que os exemplos que ela utiliza para me explicar o Yoga são
muito fáceis de compreender por serem cabíveis em minha realidade. As práticas
que ela sugere não são antagônicas ou conflitantes com minha rotina. Pelo
contrario, eles facilitam minha vida.
Um dia ela se despediu de mim e me aconselhou ter um filho. Segundo ela,
eu iria compreender melhor o mundo e o próprio Yoga depois desta experiência.
Ela também me aconselhou a não renegar o mundo. Quanto mais eu estiver nele,
mais fácil seria compreender as relações, frustações e reações da mente. O
isolamento não me traria tanto progresso neste sentido. Hoje entendo o por que
de sua sugestão e sei o quanto ela estava certa.
Quando aprendemos algum ensinamento é importante refletir antes de o
trazermos para nós. As vezes eles não cabem em nossa realidade. Para evoluir no caminho do Yoga não é preciso
largar nossos deveres sociais para se dedicar a práticas ascéticas, nem passar
o dia recitando mantras. Podemos praticar e progredir no caminho do Yoga aqui
mesmo e com os mesmos deveres e compromissos que temos. Esta compreensão e
abertura são muito importantes. O Yoga é para todos e em todos os lugares e
contextos. Está nos ashrans e nas cavernas do Himalaia, mas também está aqui
nos grandes centros, no homem moderno. Suas práticas e interpretação variam de
acordo com a realidade e necessidade do praticante.
Obrigada por compartilhar diariamente, seu conhecimento e cuidar de cada um de seus alunos como sendo um, com características e necessidades próprias.
ResponderExcluirVocê faz todo mundo se sentir capaz, já que propõe uma prática que nos capacita, traz confiança, e aí então nos desafia, sutilmente, a crescer. Obrigada Diego.
Obrigado pelo ensinamento!
ResponderExcluirNamastê!
Muito esclarecedor.Obrigada
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