quarta-feira, 6 de março de 2013

Sobre a evolução e o que deve evoluir


                  Durante uma temporada de estudos em Chennai, sul da Índia, tive como vizinha de quarto uma flautista que há quase duas décadas vinha para esta cidade estudar flauta de Bamboo. Ela se dedicava quase o dia todo ao seu instrumento e tocava maravilhosamente bem. Mesmo assim, dizia-se insatisfeita. Seu objetivo era atingir o domínio absoluto do instrumento e não se sentiria realizada enquanto este dia não chegasse.
                  A minha opinião divergia da dela e, como a conversa estava boa, verbalizei meu ponto de vista. Para mim, o instrumento existe para que eu possa concentrar minha mente, interagir com a música e “mergulhar” nela.  Mas ao dizer isso recebi um pequeno sermão. Com um tom de hostilidade ela me disse que “quem pensa dessa forma será um músico medíocre!” e foi embora. Ela não entendeu que pensávamos a evolução de uma maneira diferente. Meu foco está voltado para evoluir o sentimento, o prazer e a introspecção que a música me provoca enquanto que, para ela, o importante é apurar a técnica e evoluir como musicista. Ela certamente é livre para pensar dessa forma e querer ser a melhor tocadora de flauta de Bamboo, mas pra mim, a técnica é unicamente uma ferramenta, não o objetivo em si. Para eu interagir com um instrumento e ter uma experiência mental e emocional profunda que me conduza a um “lugar interno” de reflexão, eu nem preciso ser um bom músico.
                  Na ocasião eu estava aprendendo a recitar o Yogasūtra de Patañjali e minha professora exigia que eu cantasse com a métrica, acentuação e pronúncia correta. Graças a conversa com esta minha vizinha de quarto, e a reflexão decorrente dela, reparei que estava começando a dar maior importância à técnica de recitação dos Sutras do que à busca pela experiência meditativa que esta prática pode provocar. A técnica e a prática são fundamentais para nossa evolução, mas somos nós que devemos de fato evoluir.
                  Uma outra história, também referente a Índia e a música ocorreu com um amigo íntimo que estudou Sitar em Vārāṇasī. Em todas as aulas seu professor lhe ensinava o mesmo Raga. Os Ragas são nuanças melódicas e existem inúmeras. Questionado sobre outra escala, seu professor dizia que não era necessário outro Raga, pois o objetivo era a experiência e a iluminação. Para isto, ele só precisava de um único Raga. Esta história, além de mostrar uma grande diferença entre o pensamento oriental e ocidental, representado por um músico Indiano tradicional, pode gerar uma ótima reflexão sobre o quanto de sabedoria precisamos realmente acumular para evoluirmos. Quantos livros devemos ler, quantos cursos fazer, quantas viagens à Índia precisamos faze para evoluir?
                  A prática do Yoga é muito simples, o caminho se complica quando desvirtuarmos seu processo ideológico.
Durante esses meus anos de estudo sobre Yoga notei ser possível evoluir significativamente como praticantes, mas não necessariamente melhorar nossa saúde. E o mais grave, não evoluirmos como seres humanos. Eu posso ser um praticante dedicado e avançado e, ao mesmo tempo, um péssimo pai, marido ou cidadão. Posso acumular sabedoria, dominar inúmeras técnicas de práticas espirituais que me façam atingir graus elevados de introspecção, mas continuar a agir de forma desatenta e até mesmo desrespeitosa com outros seres.  A prática não existe por si só, ela existe para lapidar o praticante, aflorando nele sua humanidade e desenvolvendo o melhor de seu potencial para que ele o utilize em sua vida e não só viva para isso. Devemos tentar ser bons praticantes para que isto nos transforme em seres humano mais sensíveis e conscientes sobre nós e sobre o que acontece à nossa volta. O mundo necessita muito mais de pessoas despertas e sensíveis do que de pessoas que dominam técnicas ou possuam, armazenadas na memória, teorias fantásticas.

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