Muitas vezes a verdade é ofuscada pela força de um mito. Em muitos casos isto pode acontecer mesmo que inúmeras evidencias provem que ele seja falso. Vejo que isto acontece com a História da India. Fiz este texto contando o que aprendi sobre a história deste pais pela boca de seus habitantes e de seus autores. Ficou um pouco grande, mas não teve outro jeito.
Questionamentos e evidências de uma tradição milenar
A maneira mais
apropriada de se conhecer a história de uma cultura, ou pais, é por seus
próprios habitantes. Dês de minha primeira viagem a Índia venho reaprendendo quase
tudo que achava que sabia sobre ela. A índia contada por ela mesma diverge em
inúmeros aspectos do que eu, até então, havia aprendido por livros de autores ocidentais.
Felizmente sua cultura milenar continua viva em muitos de seus cidadões que ainda
preservam suas origens. Esses cidadãos são, em minha opinião, os maiores
tesouros deste país. Mesmos nas grandes cidades, que já se encontram bastante
modernizadas, é possivel encontrar muitas pessoas que ainda vivem e cultivam
hábitos ancestrais e mantem viva tradições, filosofias e práticas que são
repassadas de geração em geração.
Certa vez, pesquisando
material para estudo em uma pequena livraria, deparei-me com um livro que
trazia informações sobre datas e acontecimentos diferentes das que eu conhecia.
Um tanto confuso, procurei aucílio a única vendedora do lugar para checar a
ceriedade do livro. Ela achou oportuno me apresentar a um professor da
universidade de Chennai que alí também se encontrava para que eu mesmo o
endereçasse minhas dúvidas.
Essa converça me fez
repensar a Índia. Este senhor vestia-se apenas com um pano enrrolado no corpo,
a uma maneira típica e ancestral, e possuia o corte de cabelo e as marcas
pintadas na testa que o identificavam como um Bhranmani Vaisnava. O fato dele
estar visualmente semelhante a figura de seus
ancestrais representava para mim uma porta para o passado. Com paciencia
ele contou um pouco da hisória de seu povo e as contradições que existem entre
a versão da sustentada segundo a crença da tradição oral milenar Índiana e a da
teoria moderna do mundo contada por ocidentais para esplicar seu próprio país.
A autenticidade dos
Vedas, durante um período da história, chegou a ser questionada. Em 1805, o
alemão Friedrich Shlegel, novelista e homem do estado, apresentou sua teoria em
que afirmava haver uma grande similaridade entre o sânscrito, o persa, o grego,
o celta, a língua germânica e eslava, sugerindo portanto que todas elas
tivessem a mesma matriz. Esse estudo gerou grande especulação. A partir daí
começaram a nascer teorias migratórias, entre elas a de que a Índia teria sido
invadida por um povo estrangeiro que trouxe consigo essas raízes linguísticas e
que teria migrado de algum lugar da Ásia Central por volta de 1.500 A.C.
Posteriormente, em 1819, Shlegel usou o termo Aryano para classificar esta raça
que além da Índia também teria migrado para diferentes partes do globo. Na
Índia, os Aryanos teriam chegado pelo noroeste, se estabelecendo inicialmente
onde hoje é o estado de Punjabi e ocupando, posteriormente, a planície do Ganges.
Segundo este pensamento a cultura védica teria sido trazida com esse povo ou
nascido da fusão entre o povo invasor e o nativo.
Essa versão acabou
sendo aceita pela maioria dos historiadores europeus. Mas devido à falta de
evidências concretas, nunca existiu um consenso em relação ao local de origem
desse povo Aryano. Historiadores divergiram entre Anatólia (parte central da
Turquia), Irã, Europa (criando o termo indo-europeu) e até mesmo Atlântida, mas
nunca nenhuma teoria foi convincente o suficiente para ser tomada como verdade.
A resposta para esse questionamento sempre foi um grande mistério. Isso porque
a Índia sofreu grandes invasões e é possível datar e identificar a origem de
todos os povos que para ela migraram. A única dúvida persistente é em relação a
terra de origem dos Aryanos. No sec. 5 A.C o império Aquemênida invadiu o
leste do Afeganistão e quase todo Paquistão, estabelecendo o império Persa até
a próxima invasão em 334 A.C quando Alexandre estendeu seu império até o
estado indiano de Punjabi. A partir do sec. 8 árabes omíadas foram
gradativamente chegando à Índia e introduzindo a cultura islã. Em 1526 Badur,
de origem turco-persa-mongol, estabeleceu o império Mogol, até finalmente o
império Britânico assumir o controle da Índia a partir de 1858.
A Inglaterra, então
colonizadora, e os padres missionários, foram os grandes propagadores da teoria
Aryana. A Índia, que até então não tinha dúvida alguma sobre suas origens e
autenticidade de sua cultura, viu sua rica e milenar história ser manipulada.
Isso provavelmente aconteceu como uma manobra política dos colonizadores. Essa
teoria conseguiu desunificar racialmente os Indianos. Ao norte identificaram-se
os Aryanos, de pele mais clara, que teriam expulsado e pressionado os nativos,
Dravidianos, de pele mais escura, para o sul. Além de criar idéias
separatistas, essa teoria também questionava a grandeza da cultura Védica, pois
a tornava estrangeira e, segundo os padres jesuítas, efêmera e imposta
covardemente aos inocentes e legítimos nativos da Índia. Essa idéia foi
massivamente difundida. Os livros escolares de história foram modificados e
devido a essa forte imposição, com o passar dos tempos, ela inevitavelmente
acabou sendo aceita pela maioria dos indianos.
No entanto, para
religiosos e eruditos indianos, esse questionamento nunca existiu. Se por um
lado a teoria de invasão Aryana era suportada pelo estudo de similaridade
lingüística de Shlegel e a propaganda de estudiosos europeus e missionários
religiosos, a cultura hindu sempre teve como provar sua autenticidade com
evidências literárias, astrológicas e até mesmo arqueológicas. A importância de
esclarecer esse assunto se deve ao fato de muitos livros sobre Yoga ainda
trazerem como verdade o injusto mito sobre a invasão Aryana.
A literatura Védica
não faz menção a essa suposta invasão. Dentro desse contexto literário, Aryano
significa literalmente “pessoa nobre”. Ela não é relacionada a uma raça e sim a
uma identidade. Aqueles que assumiam certos costumes, valores e códigos de
conduta, formavam uma identidade Aryana. O cultivo dessas atitudes teria se
difundido pela Índia e seus arredores, e não ao contrario. A Índia (hindustan),
nome dado pelos invasores devido ao rio Indus pelo qual chegavam, era antes chamada
por seus habitantes de Bharata, devido ao rei Bharat. Posteriormente chamava-se
Aryavarta, residência dos Aryanos. Nenhuma outra região fora da Índia é
mencionada no Rig Veda, além do Irã, governado por Yama, irmão mais novo de
Manu Vaivasvata. Não existe mensão de uma terra natal fora da Índia.
Os textos Puranicos
mostram uma linhagem sucessiva e inquebrável de reis originada no período do
RIG veda. Manu Vaivasvata teria dado origem à sequência de dinastias que pode
ser quase toda rastreada. Por exemplo, Rama, o protagonista do épico Ramaina,
foi o sexagésimo-quarto a reinar na dinastia Suryavamsh, fundada por Ikshavaku.
Yudhishthira, da dinastia Chandravamshis, foi coroado logo após o fim da guerra
narrada no épico Mahabharata e reinou por 36 anos. Essa guerra entre os
Pandavas e Kurus coincide com o inicio da era de Kali, que teria começado
em 3102 A.C. A astrologia Védica também indica datas muito anteriores a
suposta invasão Aryana. O Yajur e Athara Veda por exemplo descrevem um
equinócio em Krittikas (plêiades, antigo touro) e um solstício de verão em
Magha (antigo leão) referente a 2500 A.C aproximadamente.
Escavações feitas por
Sir John Marshall entre 1920 e 1922, trouxeram à tona evidências para o fim
dessa discussão. No deserto de Thar, no Paquistão, perto da fronteira com a
Índia, foram descobertos as ruinas das cidades de Harapa e Mohenjodaro,
construídas às margens do rio Indus e Saraswati. Estas cidades possuíam
características peculiares e muito à frente de seu tempo quando comparamos com
os Sumérios na Mesopotâmia (3500-2340 A.C), por exemplo. Elas apresentavam uma
grande estrutura social e urbanística com casas com banheiros no segundo
pavimento, piscinas comunitárias, sistema de esgoto e irrigação e uma grande
produção artística e comercial. Estima-se que Mohenjodaro chegou a ter cinco
milhões de habitantes, sendo portanto, o lugar mais populoso do mundo em sua
época. A História e vestígios dessas civilizações podem ser apreciados no museu
de Nova Delhi na Índia. Estas informações não são muito conhecidas já que
pouquicimos estrangeiros tem a oportunidade de visitar este museu.
As características
védicas nessas cidades são evidentes. Imagens de seres em postura de meditação,
símbolos, vestimentas, objetos e altares de fogo védicos foram encontrados em
diversos sítios espalhados pela região descritos exatamente como nas escrituras
Védicas, o que comprova a ancestralidade dessa tradição que continua viva até
hoje. Os cidadões e a cultura que alí existiam não desapareceram. O Centro
urbano de Harappa, que existiu entre 3100 A.C e 1900 A.C, foi
abandonada por sua população, que migrou para a planície do Ganges, devido à
mudança do curso do rio que a abastecia.
Outro ponto importante
é o fato do Rig Veda fazer alusão a esses centros urbanos e dedicar vários
hinos ao extinto rio Sarasvati (RV II,41.16; VI 61,8-13), o mais volumoso entre
os sete principais rios citados no Rig Veda. Estudos feitos no solo, onde
existia o rio, revelaram que este secou 400 anos antes da suposta invasão
Aryana sugerida no século XIX.
Para desfazer qualquer
dúvida, basta se fazer duas perguntas: Se a teoria de invasão da Índia pela
raça estrangeira Aryanos é verdadeira, por que um povo não iria colocar em sua
principal obra literária, que é riquícima em detalhes, nenhuma evidencia cequer
de sua terra natal? E, por que eles enfatizariam o culto a um rio que já havia secado céculos
antes de sua chegada?
Como acreditam os
eruditos indianos, nunca existiu um consenso em relação à terra de origem dos
Aryanos porque todas as evidências concretas indicam que estes pertenciam
justamente à Índia.
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